Valter Hugo Mãe é um nome muito respeitado da literatura atual. E, com isso, o lançamento de O Filho de Mil Homens na Netflix tornou seu nome ainda mais conhecido por uma fatia de público que não o conhecia. O filme, dirigido por Daniel Rezende ( que dirigiu o simpático Turma da Mônica: Lições) foi um grande sucesso, e conquistou o coração de muita gente. Inclusive de meu amigo, José Augusto Paulo, que o assistiu recentemente lá na Europa. E aposto que depois de ler sua crítica, você vai ficar entusiasmado para ver o filme.

O Filho de Mil Homens
O tema de um homem, com uma certa idade, e sua conexão com o mar, ou estar próximo dele, já deu muito material para literatura. Foi transformado em história cativante por escritores tão variados quanto Daniel Defoe e Ernest Hemingway. O escritor português Valter Hugo Mãe voltou ao filão. Só que desta vez para expandir o círculo de pessoas ao entorno do homem do mar e assim criar um imaginário no qual a frase do personagem central ressoe: ‘Nós todos somos filhos de muitas mães e muitos pais’.

Na simples, mas bonita paisagem litorânea (filmada próximo a Búzios) e de uma vila próxima simples, mas bem cuidada (Chapada Diamantina), encontramos Crisóstomo (Rodrigo Santoro). Ele é um pescador solitário que, ao chegar aos 40 anos, sente a dor de não ter tido um filho. Ele tem uma conexão com conchas do mar e a luz que emana de uma delas, como que costura as variadas vidas dos outros personagens conectando-os ao pescador. E um dia, o destino lhe traz Camilo (Miguel Martines). Este ficou órfão ao nascer e, de certa forma de novo recentemente, que aos poucos se integra a vida dele. Camilo aos poucos sente falta de ter uma mãe, e Isaura (Rebeca Jamir), rejeitada por outros jovens quando ainda adolescente, cruza o caminho de Crisóstomo. Logo aparece também Antonino (Johnny Massaro), conhecido na vila por sua orientação sexual, que se casa com Isaura, o que não atenua a infelicidade dos dois. Esses quatro personagens aos poucos trocam suas dores latentes por carinho e aceitação mútua. A voz calma e clara de Zezé Mota faz a narração.
A crítica
Pareceria que muitos diálogos seriam necessários para levar a trama. Mas na verdade é pelo silencio e pela poesia de imagens, gestos e atos que os personagens encontram sua forma de reagir à maldade alheia, e à crueldade dos que não abdicam das suas próprias formas de ver o mundo. E que também tentam oprimir ao invés de aceitar os indivíduos com quem tem de conviver.

Alguns talvez achem que o filme é ‘parado’, mas me pareceu ao contrário. Há sempre movimento, mas por vezes sutil, por vezes mesmo delicado em situações de tristeza, ressentimento e aridez de compaixão. A fotografia capta não só a beleza natural, mas também o aconchego de certas casas e a frieza de outras. As cores se encontram dentro das casas, cujas paredes externas são brancas, como se quisessem refletir uma pureza e concordância com as expectativas alheias que as paredes internas traem.

As atuações são excelentes. Rodrigo usa muito de expressões faciais e com elas conta a história em paralelo com o ambiente ao seu redor. E como Crisóstomo, que testemunhou violência aos seus próximos enquanto crescia, usa de carinho, calma e compreensão para com Camilo, como que a argumentar que não é pela opressão e violência que se formará melhor o individuo. De recursos e conhecimentos limitados ele tira da própria experiência e trata os outros como gostaria de ter sido tratado. E isso torna o filme muito bonito, não só no campo visual, mas também pela mensagem de carinho contra preconceito, de viver e deixar que os outros vivam.

E no final…
Nas mãos de um diretor mais conhecido internacionalmente como tal (Daniel Rezende é bem mais conhecido como editor) e com uma boa campanha de marketing por trás, O Filho de Mil Homens seria com certeza um excelente candidato ao Oscar de filme estrangeiro. Mas acho que infelizmente não chegará a tanto: sua mensagem é muito singela para gerar grandes paixões.










































